domingo, 5 de maio de 2013

Há X anos: Num Mundo Estranho


 Portugal Ultramarino. O nome dado a alguns países de onde vinham vastas famílias. A maioria continua em Portugal. Muitos indivíduos não regressaram às Colónias  Os Retornados. Cidadãos que os Portugueses nunca aceitaram por completo. O nosso povo sempre os viu como ameaças de agravamento do desenvolvimento de Portugal. Actualmente, ainda são lembrados como pessoas rudes, aproveitadoras, pouco produtivas, e sem preparação a nível profissional. Mas na verdade, estes Retornados apresentaram um aspeto de grande valor. Constituíram um importante fator de valorização da sociedade portuguesa, em quase todos os setores da vida a nível nacional.          
 Artur Costa, 68 anos, reside em Almada, Setúbal. É um dos muitos indivíduos que partiram das Colónias Ultramarinas. É um exemplo de insucesso, pois a vida não lhe sorriu tanto quanto esperava. Tinha uma vida plena, em Angola, onde nasceu, cresceu e constituiu família. Além de todos estes fatores, ainda tinha a sua própria empresa. Nasce a 22 de Fevereiro de 1945, em Uíge, uma província de Angola. Filho de pais Portugueses e donos da fazenda da própria família. Tinham criados negros que tratavam da fazenda e dos produtos que eram cultivados. Este negócio funcionava como empresa fornecedora aos mercados e lojas em cidades Angolanas mais povoadas, como Luanda ou Lobito. Artur ingressa na vida escolar noutra cidade, em Malange. Uma outra cidade mais desenvolvida e com mais população. Aos 19 anos, casa com Matilde Abrantes, sua colega de escola que acaba por namorar. A 1966, muda-se para Luanda, a cidade mais badalada de Angola. É lá que dá continuidade ao projeto dos seus pais e onde nascem os seus dois filhos, João e Luís. Considerava-se um homem bastante feliz e grato à vida: uma infância feliz, pais presentes, uma vida desafogada… Mas Angola era ainda uma Colónia Portuguesa. Quando o povo de Luanda, e das restantes colónias  toma conhecimento da Revolução dos Cravos e da decisão de Spínola, a confusão e destruição instala-se. Artur vê-se obrigado a fugir das suas origens. Os seus dois filhos desapareceram quando invadiram a sua moradia. Matilde, é alvejada e acaba por falecer perto do mercado de Luanda, onde se encontrava naquele momento. Resta a Artur a opção de fugir para Portugal: “quando entrei no avião, nem queria acreditar que toda uma vida tinha ficado ali ao abandono. A base e o mais importante de toda a história da minha vida, ficou ali, destruída, fisicamente”. Verão de 1975. Artur chega à metrópole, apenas com a roupa que tem no corpo e com uma fotografia de família, que habitualmente guardara no bolso das calças. Vê-se sozinho, num país desconhecido. Ao procurar ajuda, fica a saber que existe uma organização preparada para ajudar os indivíduos vindos das antigas colónias – IARN. Artur inscreveu-se, muitos dias depois, como retornado no IARN, para poder receber algum dinheiro da parte do Estado. Nunca chegou a receber qualquer ajuda: “eram demasiadas pessoas ao mesmo! A criação do IARN veio ajudar muita gente, mas nem todos. Era impensável conseguirem ouvir-nos a todos”. Viveu durante vários anos como sem abrigo. Chegou a consumir drogas. Chegado ao dia em que decide tomar uma posição firme na sua vida. Procura trabalho e acaba por ser contratado por uma empresa de jardinagem. É onde tem estado até aos dias de hoje. Perdeu a sua família e o negócio de anos. Actualmente, partilha uma moradia pequena alugada, com um dos seus colegas de trabalho. Vive cada dia com calma e com as memórias bem vivas e presentes do passado.
 Portugal, anos 60 e 70. Época de enormes mudanças. Diversos novos conceitos são adquiridos pelo país. Retornado é um deles. Era assim que os Portugueses apelidavam todos os indivíduos que chegavam do continente Africano. Aqueles que optaram pela fuga das suas origens, em busca do mais importante – a sobrevivência. Famílias inteiras chegavam a Portugal. Para muitos, um país desconhecido. Traziam a roupa que tinham no corpo e não muito mais. Acreditavam que tudo se resolveria. Mas os Portugueses nunca viram estes indivíduos com bons olhos. Ainda hoje, o conceito de Retornado se mantém firme. Muitos destes indivíduos conseguiram vingar em Portugal, mas outros nem por isso. Jamais conseguiram reaver a posição social e condições de vida que tinham nas Colónias  “com todo o respeito a Portugal, continuo a achar isto um povo inculto, e que, para além disso, não quer ser governado e nem se deixa governar! Todos aqueles que apareciam a cada esquina, com cara nova, era Retornado. Este povo, ainda hoje, usa este termo, sem saber o que realmente significa. Não faz sentido, chamarem isto a alguém que nasceu e cresceu nas Colónias…”.

Sofia Conde e Cláudia Évora

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